O Pantanal Mato-grossense é conhecido pela fartura de água e a imagem que simboliza a região mostra rios, lagos e lagoas. E quem não conhece o lugar imagina que água não é problema em toda região. Porém, há um trecho do Pantanal em que a realidade é outra, como é o caso do Alto Pantanal, em Mato Grosso, aonde a água é escassa. O período seco é de seis meses e a precipitação média da região é de 1.200 mm. O rio Jauru, principal fonte de água, fica distante 25 km. As águas dos corixos (pequenos lagos formados na época das chuvas) são contaminadas. A captação da água subterrânea é muito difícil porque o lençol freático é profundo e muitas vezes a água é salobra. No município de Cáceres, distante 220 Km de Cuiabá, existem sete assentamentos da reforma agrária, com 360 famílias e três escolas do campo. Por 20 anos, os agricultores assentados e os 500 alunos dessas escolas sofreram com constantes faltas de água. Foram feitas inúmeras tentativas de resolver o problema, como o bombeamento de água de um córrego, distante 15 km, perfuração de poços artesianos, etc. Entretanto, as propostas apresentadas não resolveram o problema. Isso, por conta do alto custo da energia; falta de mão de obra qualificada para gerenciar as atividades e exigência de grande demanda de água para consumo animal. Na tentativa de solucionar o problema, o INCRA e parceiros buscaram alternativas ambientalmente sustentáveis, que foram implantadas na região durante os últimos dez anos. No total, foram selecionadas e implementadas diversas tecnologias sociais sustentáveis: captação da água da chuva, cisternas, barraginhas da Embrapa, lago de uso múltiplo, biofossa, adoção de nascentes, entre outras. A captação de água da chuva não teve custos e a água é utilizada para uso doméstico, em atividades educativas e produtivas. A captação de água das enxurradas, prolongou a umidade do solo na microbacia, aumentando o nível de água nas cacimbas e possibilitando segurança hídrica das comunidades.
Mesmo com toda a crise hídrica em Mato Grosso e o avanço agressivo das queimadas no Alto Pantanal, as propriedades familiares com projetos ambientais integrados demonstraram melhor resiliência às queimadas. Com a implantação das estações piloto de tecnologias sociais, foi gerado inovação, levado conhecimento, ciência e tecnologia, educando sobre o desenvolvimento de forma sustentável: econômica, social e ecologicamente viável. Foi enfatizado cidadania e metodologia participativa nos processos de trabalho, com ganho de autonomia e a transformação social desejada. Hoje, são abastecidas 150 famílias e duas escolas do campo (300 alunos), e com o apoio da Prefeitura de Cáceres, o projeto foi ampliado, para atender mais 35 famílias. A conclusão é que os projetos ambientais, executados entre 2009 a 2020, atenderam assentamentos no Alto Pantanal, as famílias que neles residem, bem como alunos de duas escolas do campo em Cáceres, proporcionando melhoria do rendimento escolar, aumento de renda no campo e redução do êxodo rural. A água de chuva captada do telhado e na microbacia teve “custo zero”, de forma simples e fácil replicação.
Houve melhoria na renda familiar, com geração de novos empregos a partir do desenvolvimento de cadeias produtivas (como pecuária de leite, de produção de espécies nativas - pequi, jatobá) na região que vinha enfrentando êxodo rural. De acordo com as informações do INDEA, pôde-se notar que, após a implantação das barraginhas, houve um avanço na produção pecuária no assentamento - saltando de 30 animais em 2007 para 3.926, em 2019 - aumentando, com isso, a renda do agricultor familiar. Nota-se a influência das barraginhas para a geração de renda das famílias. Com maior disponibilidade hídrica ofertada pela ação das barraginhas, seja por meio do acúmulo de água na bacia ou pela umidificação do solo no entorno delas, houve a promoção de atividades produtivas, principalmente a leiteira e criação de pequenos animais (aves, suínos e peixes) em 72% dos agricultores. A renda da agricultura familiar teve um acréscimo significativo para a produção de leite, aumentando a renda por família/ano. Além da redução de gastos com despesas de saúde, por não mais consumirem águas contaminadas de corixos existentes no pantanal.
A demanda deste trabalho veio da população atingida por escassez hídrica que sistematicamente levaram as queixas ao INCRA e MPF. Foi formada equipe técnica com 20 instituições composta de pesquisadores, profissionais com experiência no desenvolvimento dessas tecnologias na região. Todas as tecnologias sociais possíveis de aplicar foram discutidas com a comunidade, com os professores e servidores das escolas do campo. Quando aprovadas, foram acompanhadas na execução, com aprimoramento para adequação à realidade local. O processo conta com a total aceitação das famílias, possibilitando interação positiva e inovadora para a resolução de demandas. E produziu impacto social nas comunidades com a efetiva articulação pelos setores populares e acadêmicos. O gerenciamento do sistema de distribuição de água é feito pelos moradores locais. Uma das principais estratégias utilizadas na ação foi a qualificação de mão de obra - com orientação de profissionais. Assim, muitos deles já estão ampliando as tecnologias sociais em suas áreas e nas propriedades vizinhas. Segundo a Embrapa, é fundamental o produtor rural ser condutor do processo, levando ao convencimento pelo projeto-piloto implantado.
São inúmeros os impactos sociais e ambientais das ações desenvolvidas durantes estes mais de 10
anos. Estas tecnologias sociais estão indicadas para atingir os Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (ODS) – mesclando três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, social e a
ambiental:
ODS 4 – Educação de qualidade: houve melhoria na educação e nutrição dos alunos, por conta de
cisternas e a produção nas hortas das escolas. Antes dos projetos havia paralisações constantes das
atividades escolares por falta de água;
ODS 6 – Água potável e saneamento: nos últimos dez anos não houve falta de água, tanto para as
famílias como nas escolas. Os projetos de cisternas, barraginhas, etc, estão atendendo a demanda
atual;
ODS 11 – Comunidades e cidades sustentáveis: tornando projetos de assentamento mais seguros e
sustentáveis, além da melhoria da infraestrutura nas escolas, nas propriedades e estradas.
Continuidade do projeto se dá por serem tecnologias de baixo custo e as fontes de financiamento
buscam captar recursos na justiça Federal / Estadual, doações de materiais e contrapartida dos
agricultores familiares, etc.
Dra. Margarida Marchetto (Professora da UFMT), Ademar Shogi Okada (Engenheiro Agrônomo), Dra. Solange Aparecida Arrolho da Silva (Professora da UNEMAT), MS.C. Reginaldo Marcos Félix de Aguiar (Jornalista)